Domingo, 7h44 da manhã. O WhatsApp apita com a foto do meu primo tomando café num copo de papel, aquele teto de loja de conveniência, e a legenda:
“Sp de busão para ver Oasis de última hora.”
O fim do feriado prometia ser tranquilo por aqui, mas o bichinho do FOMO me mordeu com força. Oasis foi a trilha sonora da minha adolescência. Vi os Gallagher ao vivo pela primeira vez em 2001, no Rock in Rio, ao lado desse mesmo primo.

Mesmo assim, eu não tinha comprado ingresso dessa vez. Passei meses sofrendo com a ideia de entrar naquelas filas virtuais que são testes de paciência modernos. Quando fui ver já estava tudo esgotado “em minutos”, segundo a internet — essa entidade misteriosa que espalha verdades e mentiras sem filtro. Depois vieram os anúncios de camarotes surreais, quase indecentes. Respirei fundo e resisti.
Meu plano para o domingo era outro: preparar o curso de Gestão de IA que darei na ESPM em janeiro. Eu havia reservado a manhã para mergulhar nas discussões sobre os passos — acelerados e às vezes irresponsáveis — que estão sendo dados no Vale do Silício rumo ao que muitos chamam de superinteligência artificial.
Quando falamos em superinteligência, não estamos falando de robôs conscientes ou de máquinas “acordando”. O termo descreve um estágio hipotético da IA em que sistemas artificiais ultrapassariam a inteligência humana em praticamente todos os domínios cognitivos: raciocínio, criatividade, tomada de decisão, estratégia, aprendizado e até a capacidade de melhorar a si próprios.
Seria uma inteligência capaz de resolver problemas que humanos sequer conseguem formular — e justamente por isso, tão potente quanto perigosa. A pergunta não é mais “se”, mas “como” e “em que condições” chegaremos lá.
Foi nesse mergulho que cheguei ao conteúdo do Joseph Gordon-Levitt (@hitrecordjoe). Talvez, pelo nome, você não reconheça de imediato. Eu, que sou de uma geração que assistia ao canal Sony, lembro dele como o alienígena no corpo de um adolescente em Third Rock From The Sun, série que eu adorava na mesma época em que tentava tirar o solo de Don’t Look Back in Anger na guitarra.
Se você for mais novo(a), talvez se lembre dele como o Robin na trilogia do Batman do Nolan, ou como o parceiro do DiCaprio em A Origem (Inception).
O ponto é: o ex-astro mirim virou uma das importantes vozes críticas sobre o desenvolvimento acelerado de IA sem regulamentação. Em posts recentes, Joseph trouxe denúncias sérias de como Meta, OpenAI e Google estariam treinando modelos para engajar crianças em conversas íntimas — algumas com teor sexual.
No perfil dele há, inclusive, um abaixo-assinado com mais de 120 mil assinaturas exigindo regras claras antes que a tal superinteligência deixe de ser hipótese e se torne risco concreto.
E no meio da tarde o celular vibrou de novo. Meu primo estava chegando em São Paulo.
Ou tentando.
Demorou 12 horas na estrada. O ônibus quebrou, pegou trânsito de fim de feriado, o motorista errou a entrada da Marginal — todos os clichês do caos num único deslocamento épico. Mas ele chegou. Cansado, amassado mas feliz.
Claro, ainda de manhã, quando vi a foto dele, comprei o ingresso. E foi assim que passamos 1h50 gritando juntos os grandes sucessos daqueles dois caras de Manchester.
Aí eu te pergunto: onde mora a tal super inteligência? No Vale do Silício ou na capacidade humana de decidir, sem lógica alguma, atravessar 12 horas de perrengues só para viver algo que faça sentido?
Porque, por mais avançadas que sejam, máquinas não entendem esse tipo de decisão: irracional, afetiva, improvável e absolutamente necessária.
NO AR: INTELIGÊNCIA ORGÂNICA
Entrevistas sobre tecnologia, pensamento crítico e o que nos torna humanos.
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Até a próxima, Pedro Cortella.

