Durante um breve momento perdido no nosso passado, imaginávamos que usar a internet para agrupar pessoas com base em interesses seria algo positivo. Lá atrás, existia uma comunidade aparentemente inocente chamada “odeio rodinhas de violão”. Por sinal, se você puxar na memória, vai se lembrar que muitas das grandes comunidades no Orkut começavam com a palavra “odeio” no título. “Odeio segunda-feira”, “Odeio acordar cedo”, “Odeio esperar resposta no MSN” e por aí vai… Se naquela época tivéssemos prestado atenção que o ódio gera mais engajamento que o amor, poderíamos ter nos preparado melhor e, quem sabe, evitado o estado atual das coisas. Mas enfim…
21 anos se passaram desde que criei meu perfil no Orkut. Naquela época, eu era um estudante de jornalismo que vivia e respirava rock’n’roll. Desde o ensino médio, meus grandes momentos de alegria coletiva eram os que eu estava acompanhado de um violão com um círculo de pessoas à minha volta. Lembro de estranhar quando vi uma comunidade que reunia pessoas que odiavam uma das atividades que eu mais gostava. E o mais curioso é que, mesmo achando aquilo absurdo, eu entrei. Não porque eu realmente odiava rodinhas, mas porque aos vinte e poucos anos a gente tem essa sede de experimentação, essa vontade de pertencer a vários mundos ao mesmo tempo — e, claro, uma vulnerabilidade gigante às influências do momento.
Eu vivia em São Paulo, no auge das baladas, das raves, da música eletrônica invadindo tudo. O violão que me acompanhava desde a adolescência foi, aos poucos, sendo substituído por outros tipos de noite, sons e experiências. E talvez a pá de cal tenha vindo quando me apaixonei pela minha primeira namorada que, para meu espanto, não dava a menor importância para o fato de eu tocar guitarra. A grande ironia do destino é que absolutamente todas as mulheres que namorei — incluindo minha amada esposa — nunca foram do tipo groupie.
O fato é que abandonei o violão e, com ele, as rodinhas. O garoto que vivia com calos nos dedos virou adulto, e o adulto, como tantos outros, foi engolido pela vida: trabalho, boletos, responsabilidades, escolhas.
Por isso me surpreendi quando, recentemente, no grupo de pais da escola da minha filha, o violão ressurgiu. Como se a vida tivesse dado a volta completa enquanto eu estava distraído tentando ser adulto.

Amizades depois dos 40 são um fenômeno fascinante. Nunca pensei que o momento de vida semelhante — filhos pequenos, cansaço parecido, preocupações comuns — aproxima tanta gente legal. E, para completar a cena digna de estudo antropológico, recentemente fizemos até uma viagem de formatura… da turma do pré-primário. Sim, você leu certo: pais organizando uma “viagem de formatura” para crianças que mal sabem amarrar os próprios tênis. O capitalismo realmente não tem limites para inventar novas maneiras de fazer a gente gastar dinheiro — mas ainda assim, lá estávamos nós.
E no meio dessa viagem, claro, levei o violão. E ali, com pais exaustos cantando músicas que nossas crianças jamais reconheceriam, eu percebi algo importante: algumas partes de nós só voltam quando o tempo nos faz um favor.
Pode levar 21 anos. Mas certas memórias, certas versões antigas, certos pedaços de identidade… apenas esperam o momento certo para reaparecer. E quando voltam, não voltam como nostalgia vazia — voltam como lembrança de que, apesar dos pixels, dos feeds, das métricas, ainda somos humanos carregando histórias demais para caber numa comunidade de “odeio” qualquer.
E não foi tempo perdido, tá? Afinal, somos tão jovens…
NO AR: INTELIGÊNCIA ORGÂNICA
Reflexões sobre tecnologia, pensamento crítico e o que nos torna humanos.
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Até a próxima, Pedro Cortella.

