O que acontece quando a gente fura bolhas

“Tem gente que paga mais de 500 mil reais num papa-capim galador.”

Se você não entendeu nada, é porque — assim como eu — não está familiarizado com o universo dos torneios de canto de pássaros. Antes de continuar, vale um disclaimer: essa prática muitas vezes é ilegal, fomenta direta ou indiretamente o tráfico de animais e movimenta fortunas em apostas. Mas este texto não é sobre moralidade ou legalidade. É sobre outra coisa.

Na última sexta-feira tive a honra de ser o primeiro palestrante da noite de inauguração do novo centro de convenções de Arapiraca. Um evento incrível da Ascontal, onde me senti acolhido de uma forma que levarei comigo por muito tempo. Mas para chegar até lá, partindo de São Paulo, foi preciso embarcar num voo de três horas e meia até Maceió e depois encarar mais duas horas de estrada até o coração do estado de Alagoas.

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Foi nesse trecho terrestre que conheci Alisson, o motorista responsável pelo meu transfer. Em duas horas de conversa — na ida e na volta — ele me abriu a porta de um novo mundo.

Ciclista semi-profissional, Alisson acorda todos os dias às quatro da manhã para pedalar ao menos 80 km entre estradas de asfalto e trechos de terra. No meio do papo, contou que já fez de tudo um pouco na vida, e que um de seus hobbies recentes foi justamente criar e competir em torneios de papa-capim. Ele me mostrou vídeos desses campeonatos, que reúnem centenas de pessoas em festas locais, com regulamentos baseados em quantas vezes o pássaro canta em determinado tempo. 

E, claro, os bastidores: histórias de aves campeãs como Jon Jones e Arqueiro que foram vendidas por mais de meio milhão de reais.

Na hora, me veio uma lembrança de 2019. Durante uma certificação de agências que fiz na Hotmart, um dos exemplos que mais me impressionou foi o de um sujeito que vendia cursos para ensinar passarinho a cantar e faturava mais de 100 mil reais por mês. Na época, com a minha cabeça de paulista branco, hétero, egocêntrico e arrogante, aquilo me pareceu um completo absurdo. Hoje, ouvindo o Alisson, tudo faz sentido.

Enquanto ele falava das técnicas de criação, das vezes em que o pássaro simplesmente “empaca” no torneio e não canta, das disputas e dos personagens desse ambiente, eu pensava em como me sentia um completo alienígena na bolha de Alisson. 

Comentamos sobre como, no feed das redes sociais dele, só apareciam vídeos de ciclismo e de torneios de pássaros. Um Instagram, um YouTube, um TikTok… os mesmos aplicativos que tantos abrem todos os dias exibem milhares de universos paralelos: influenciadores com milhares de seguidores que jamais apareceriam para mim, mercados milionários e eventos populares inteiros sobre os quais nunca li, ouvi ou assisti nada.

Voltei para São Paulo com ainda mais raiva do algoritmo. Cada encontro fora dele é uma atualização na humildade intelectual: lembra que o mundo é muito mais amplo do que os filtros que escolhemos. A bolha nos mantém reféns de um mesmo repertório. Escapar dela, ainda que por algumas horas de estrada, é o ato de liberdade possível em tempos de feeds personalizados.


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Reflexões sobre tecnologia, pensamento crítico e o que nos torna humanos.

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AO VIVO: PALESTRA

No próximo Alma Talks — edição especial, vou dividir o palco com nomes como Maria Homem e Allan Dias Castro para refletirmos sobre um tema que atravessa tudo o que escrevo aqui: “Se é Pixel, Não é Real — O Humano em Tempos de Inteligência Artificial”.

Vivemos numa época em que quase tudo pode ser simulado — amor, presença, empatia — e a pergunta que fica é: o que ainda nos torna verdadeiramente humanos quando até o afeto tem versão beta? Vai ser uma noite para tensionar certezas, ampliar repertórios e, principalmente, estar junto em presença real, fora dos algoritmos.

06 de novembro de 2025
Abertura dos portões: 19h / Início às 20h
Teatro das Artes, São Paulo

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Até a próxima, Pedro Cortella.

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